tal qual Bernardo

Um dia eu acordei árvore e como ela senti e vivi. Morava em um daqueles bosques que por sorte ainda eram cheios de outras árvores: muitas diferentes, outras parecidas mas nenhuma igual a mim. Era bonita, vistosa e grande, porém sem frutos: tinha apenas folhas lindamente verdes. Ao tocar meu caule com a língua sentia-se logo de cara uma certa aspereza e um gosto de terra (daquela que já fora pisada tantas e tantas vezes pelo homem). Ao levar uma das minhas folhas até a boca sentia-se um azedinho quase igual ao provocado por uma folha de "pé" de umbu, supostamente parente meu. Isso tudo eu sei porque um dia certo rapaz se encostou e resolveu me experimentar revelando em alto e bom som verdades sobre mim. E esse dia, se não foi o melhor da minha vida como árvore, com certeza foi um dos melhores.
(é, eu já tive outras boas experiências)
Depois de me provar e descobrir o meu sabor ele parou, abriu os braços, se aproximou ainda mais, tocou meu caule áspero e cheio de rachaduras e me abraçou de um jeito bom e demorado que fez com que eu me sentisse o ser vivo mais amado do mundo. Só não chorei por me faltarem olhos explicitamente desenhados na cara.
(mas que cara?)
Foi aí que passou um vento forte chacoalhando minhas verdes folhas, que se bateram umas nas outras fazendo surgir um som agradável de folhas caindo: as mesmas que caíam também chocavam-se simultaneamente contra o corpo do meu rapaz e contra o chão.
Ia chover.
Ele se foi, e eu, claro, permaneci ali, estática, vivendo como árvore e sentindo como gente, algo que um dia eu fui.

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